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Billet de blog 14 juillet 2015

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A excelência da grande mídia brasileira

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Boa parte ou pelo menos uma parte longe de ser desprezível da grande mídia brasileira é, digamos, medíocre, exemplos não faltam (eles se reconhecerão), parece até que essa grande mídia gosta de se auto-ridicularizar. Trata-se de uma mídia que segue os preconceitos preestabelecidos na sociedade, os piores, os mais enraizados sem sequer perceber que ela é um instrumento chave da perpetuação desse monstro intestinal que a sociedade brasileira ainda não expulsou, monstro feito de racismo, de ódio e de preconceito.

Não vou mostrar aqui o quanto esta mídia já se ilustrou com toda a sua grandeza nessa mediocridade, basta lembrar-se dela aplaudindo a execução de um presumido bandido ao vivo, dela se escandalizando contra o racismo apenas quando o alvo faz parte da casta deles, ou ainda dela se escandalizando muito mais de um trans numa cruz do que um trans morto pelo simples fato de ser trans ou gay ou qualquer outra coisa que seja. Isto, só para falar das ultimas proezas dessa mídia.

Mas se fosse "só" isso, poderíamos até pensar que trata-se de uma simples fraqueza intelectual, de falta de formação, de falta de espírito crítico, de imbecilidade nefasta.

Só que passei por alguns momentos, a priori irrelevantes, que me levaram a acreditar que é muito mais que simplesmente imbecilidade (óbvio, já suspeitava, mas vamos lá).

Digamos que nos padrões da sociedade atual eu sou bem sortudo: não sou mulher, não sou negro, não sou gay, não sou boliviano, não sou índio. Enfim, nunca sofri preconceito, nada, zero. Faz tempo que me dei conta que dificilmente terei problemas desse tipo nesse mundo e que a minha vida, só por isso, será muito mais fácil que a grande maioria das pessoas, e que dificilmente serei discriminado, espancado ou morto pelo simples fato de ser aquilo que eu sou.

Porém, nos últimos meses, comecei a ser insultado por algo que eu sou: ciclista. 

Claro, não é um ser intrínseco, seria mais um estar. Claro não é o fim do mundo e não vai me atrapalhar na minha vida e o assunto aqui não é chamar a atenção sobre o meu caso trágico. Se bem que, olhando os relatos de ciclistas que levaram finas por ser ciclistas, pode ser que acabe tragicamente um dia

O ponto é que isso mostre o quanto a grande mídia é repleta de ódio, a ponto de criar novos grupos alvos de ódio. O caso do grupo "ciclista" é altamente interessante de um ponto de vista quase "clínico" pelo fato de ter sido, seis meses atrás, um grupo relativamente bem visto, discriminado "positivamente" se é que dá para dizer isso. Pois, era um grupo associado a imagens positivas, de meio ambiente, de sustentabilidade, de não poluição, etc... Podemos, por exemplo, referir-nos à avaliação das ciclovias pela população que no início era bem elevada e que após um trabalho sistemático de destruição, de crítica, de desprezo, caiu brutalmente em poucos meses a ponto de surgirem inclusive esses comportamentos agressivos que nunca se tinham visto antes. Foi feito ali um trabalho sistemático que permitiu o surgimento de um novo alvo de ódio, de preconceito. Trabalho feito a traves inúmeras reportagens partidárias, truncadas, manipuladas, onde fotos foram desviada (procurem capa da folha a titulo de exemplo), ou onde depoimentos de ciclistas foram deformados deliberadamente. O exemplo da evolução de percepção desse grupo por muitas pessoas, mostra de maneira documentada o estado de degenerescência no qual se encontra essa mídia. Ele permite praticamente medir e tocar o poder de poluição social exercido pela grande mídia. Porque neste caso, aquilo foi criado só por eles, não veio atrás de um barulho de fundo já presente nas entranhas da sociedade que nós dificulta medir a parcela devida à mídia, não se tratou de "só" alimentar um racismo ou um preconceito existente na sociedade, teve que fazer brotar esse novo preconceito. O que aconteceu ali foi praticamente um ensaio de laboratório no qual uma só causa do mal foi estudada, livrando-se de todas as outras. Pudemos praticamente observar puramente a causa "grande mídia" na criação do ódio e da raiva (numa situação quase livre de preconceitos iniciais) e o resultado corroborou todas as expectativas.

Esse exemplo mostra que essa grande mídia, está já na era do ódio 2.0. Ela é sem limite para defender os seus pequenos interesses ou para derrubar seus inimigos designados, a ponto de criar novos ódios, novas discriminações. 

Esse exemplo tem o mérito de mostrar que aquela mídia não é racista, homofóbica só por mediocridade ou falta de educação, mas realmente porque ela é cheia de ódio, de raiva, de fúria gratuita e ela usa esse recursos a fins calculados, bem determinados.

Talvez o mais triste seja que muita gente consome esse produto envenenado sem perceber o discurso podre e nocivo para a sociedade que está embutido ali. Porque é um fluxo tão grande que se torna normalidade. É normal linchar, é normal morador da favela levar bala perdida, é normal haitiano ser hostilizado. Há essas coisas absurdas que identificamos ainda com uma certa facilidade, mas também há esse monte de coisas minúsculas que moldem a percepção, como o fato de chamar um manifestante, não de manifestante, mas de "baderneiro". Isso parece insignificante, mas é baixo jornalismo que, me perdoem a palavra, caga para a objetividade jornalística e cria esse ódio ao outro, que necessariamente é um "baderneiro". Nem sabemos o que esse indivíduo tem para dizer ou por que ele está protestando, tudo que interessa é que ele é um "baderneiro", um "outro", que deve ser alvo do nosso desprezo, do nosso ódio, ódio ditado e orientado pelo repórter.

Não sei qual é a solução, como fazer para que valores tão simples, óbvios, e necessários que são a tolerância, a empatia pelo outro, o respeito sejam bases do jornalismo brasileiro. Como fazer para que leitores ou espectadores identifiquem quando são imperceptivelmente induzidos a ter pensamentos e comportamentos que destroem a sociedade, que nos destroem.

Talvez tentando dizer, toda vez que for possível, essas coisinhas, esses detalhes, esses detalhes imperceptíveis que são os mais malignos e que nós contaminam, para que fiquemos sempre alertas.

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